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Um dos assuntos que mais tem gerado polêmica e protestos no reconhecimento da nacionalidade italiana "jure sanguinis", diz respeito à transmissão via materna, ou seja, aqueles que tentam obter este reconhecimento pelo fato de terem algum ascendente na linha materna, mãe, avó, bisavó, etc.
Para esclarecer este assunto é preciso fazer-se, primeiramente, uma análise histórica da questão para, depois, conjugá-la com aspectos legais.
A Itália era, até o plebiscito de 02 de junho de 1946, uma Monarquia e como tal existia a preocupação de manter-se dentro do Reino os possíveis herdeiros, evitando a concessão da nacionalidade italiana àquelas pessoas que tivessem nascido de um casamento entre uma mulher do Reino e um estrangeiro. Fato é que, se, eventualmente uma mulher, mesmo de descendência nobre viesse a casar-se com
um estrangeiro, seus filhos seguiriam a nacionalidade do pai e não adquiriam a nacionalidade da mãe, no caso a italiana.
Existia, porém, mesmo nesta fase, uma possibilidade em que o filho poderia adquirir a nacionalidade "jure sanguinis", via materna. Era o caso de filhos cujos pais fossem desconhecidos ou apátridas, ou ainda, quando os filhos não adquirissem a nacionalidade do país de origem do pai, segundo as leis vigentes no Estado de origem.
É óbvio que para disciplinar este fato existia a lei. E a lei neste caso era a de número 555, de 1912, que trazia em seu artigo 1º :
É cidadão italiano por nascimento:
1) "O filho de pai italiano".
Observe-se que a lei é clara e traz expressamente em seu corpo a expressão "filho de pai", o que por si só elimina a possibilidade de transmissão via materna.
Já no mesmo artigo, enunciava a lei mencionada em:
2) "O filho da mãe italiana se o pai é desconhecido ou não possui a nacionalidade italiana, nem aquela de outro país ou ainda que o filho não adquira a nacionalidade do pai em base a lei do país a que pertença".
Já em 1º de janeiro de 1948, entrou em vigor a nova constituição, a Constituição Republicana, que apesar de ser a Carta Magna não tem o poder de revogar leis, assim que a mesma lei 555 de 1912 continuou em vigor, tendo sido revogada recentemente, pela Lei nº 91, de 5 de fevereiro de 1992, que entrou em vigor em 15 de agosto do mesmo ano.
Mas o que mudou com o advento da Constituição Republicana?
Ora se a Carta Magna diz que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de sexo, raça, cor, religião, etc., é obvio que mesmo não revogada a Lei 555, em seu artigo 1, nº 1 e 2, era inconstitucional, ou seja, feria o texto da Lei Maior.
Desta forma, em 28 de janeiro de 1983, a Corte Constitucional Italiana (equivalente ao Supremo Tribunal Federal no Brasil), através do Acórdão (sentença) nº 30, julgou, finalmente, o artigo 1, nº 1 e 2, parcialmente inconstitucional, determinando que onde houvesse a expressão "pai", passasse a considerar-se "pai e mãe".
Com base nesta decisão, o Conselho de Estado, com o parecer de 15 de Abril, considerou, que a sentença de inconstitucionalidade não pode retroagir além do momento em que se verifica o contraste entre a norma anterior e a entrada em vigor da nova Constituição, que a declara ilegítima. Isto significou que a inconstitucionalidade não pode retroagir além de 1º de janeiro de 1948, data de entrada em vigor da própria Constituição.
Na parte prática o que significou tudo isto?
Significou que os filhos de mãe italiana, nascidos anteriormente a 01 de janeiro de 1948, continuaram a não ter direito à nacionalidade italiana "jure sanguinis", enquanto que aqueles que nasceram posteriormente àquela data podem ter o direto reconhecido sem nenhum problema. Em conseqüência, poderemos ter o caso de irmãos, onde um pode ter a nacionalidade "jure sanguinis" reconhecida enquanto outro, filho da mesma mãe, não pode ter este direito.
Incoerência? Discriminação?
Não, apenas lei. E "dura lex, sed lex". A lei é dura, mas é a lei.
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